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Inácio Martins, Paraná, Brazil
Ma Anand Saroj

25 agosto 2011

coelhos

Preciso de um rolo de papel higiênico bem fofinho, embora minha tristeza seja imensa eu vou procurar um no armário.



Preciso me deitar, faz frio, meu corpo esta mole, meus pés estão gelados, eu quero chorar, chorar até doer a garganta, o nariz entupir, desejo chorar ate molhar o lençol térmico que esta esquentando minha bunda, minhas pernas, minha dor de ombro, quem sabe eu seja eletrocutada. Quando eu era pequena eu ouvia minha mãe falar às vezes:_Essa aí só se levasse um choque muito grande pra acordar! Eu acho que isso devia acontecer comigo agora.



Bem vou chorar então, parar de pensar e chorar, quem sabe depois disso eu me sinta melhor. Sempre que eu choro, acabo dormindo, isso desde pequena, se eu dormir tomara que eu não tenha pesadelo, eu sempre ouvia minha mãe dizer:- chorou até cansar e dormiu! E eu sempre tinha sonho ruim depois disso.



Hoje é um dia propíco para chorar, choveu o dia todo, está muito frio.



Aqui é sempre frio, mesmo quando esta quente.



Eu me olhei no espelho do banheiro enquanto escolhia o papel e estou com os cabelos mal amarrados, vários fios se soltaram e minha cara esta estranha, não estou bonita.Bem, bonita!bonita! eu nunca fui.Tinha boa saúde e isso acho que era mais importante.



No começo eu era pequena, bem pequena, daquelas crianças que quando a gente vê no colo da mãe a gente acha que se fosse nossa ia ser mais gordinha. Eu nunca fui gordinha, só uma vez.



E depois menininha já, eu era magrelinha, perna fina, bem comprida, uma tabuinha, um toquinho, ganhava apelidinhos, e como eu era muito tímida até os apelidos eram pouquinhos devido ao reduzido numero de pessoas com quem eu me relacionava. Normalmente eu fugia logo que percebia a presença de um tio, tia, ou como dizia minha mãe: Ah! Essa ai é só chegar visita que ela some!Parece que em medo de gente!Acho que eu tenho mesmo, medo de gente.



Meu irmão mais velho era grande, disposto tinha muitas coisas legais,bicicleta Caloi azul,gravador de fitas cassete....inventadas pela empresa holandesa Philips em 1963....bilboque de madeira,carrinhos de plastico,um de metal com portas que abriam,trator e um caminhão que dava pra me carregar sentadinha na carroceria,gaiolas no quintal com muitos coelhos, grandes, médios, pequenos, e nenês. Ele era sábio!Era a pessoa mais inteligente que eu conhecia.Ele era o cuidador dos coelhos, deles ele sabia tudo, à hora de dormirem, quantos anos viviam,quem poderia casar com quem,combinava a cor deles,separava os irmãos, e de vez em quando dava cenouras inteiras e as vezes já cortadas pra facilitar,colhia erva doce do quintal para eles comerem,pendurava os ramalhetinhos perfumados nas grades e eles puxavam aos pouquinhos para dentro da gaiola, meu irmão ficava horas depois com as mão cheirando chá.Sabia o que eles comiam sem perguntaprar ninguém , providenciava o sustento de toda aquela tropa, e as vezes, só as vezes ele me dava um dos tipo neném pra eu segurar. Eu me sentia importante por isso ele confiava em mim ele sabia que eu ia ter cuidado, nunca derrubei nenhum deles.Eu me sentia meio dona deles tambem. Eram fofinhos, quentes, inquietos exigiam muita destreza, dava pra sentir as costelinhas deles nos dedos da mão. Dava pra sentir as minhas costelinhas tambem, eles eram magrinhos, era da natureza deles serem assim, e da minha também.E era da natureza eles serem comidos pelo meu irmão e seus amigos, pelo meu pai seus amigos.Eu acho que os coelhos também tinham medo de gente.



Eles se reuniam felizes,matavam,penduravam e eu ouvia minha mãe dizer- Deixa que limpo se não vcs vão acabar com a minha cozinha.Logo o cheiro das carninhas espalhava pela casa,era uma mistura pra comer com arroz como dizia minha mãe. Eu achava que era uma mistura de sofrimento e cheiro bom,era triste,mas era feliz ver toda aquela gente em volta da nossa mesa.



...Não sei porque me lembrei disso, dos coelhos...Talvez seja porque sempre que me sinto assim triste e perdida eu procuro uma referencia familiar, e obviamente o que vem na cabeça são as palavras da minha mãe e minha experiência com meu irmão mais velho.

O que eu aprendi e vivi com eles certamente me fez melhor.Sinto que lá nesse passado deixei-me.Tenho uma sensação de grandeza quando lá me encontro no meio deles.Bem então agora vou me cobrir e chorar.

saroj*

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