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Inácio Martins, Paraná, Brazil
Ma Anand Saroj

02 outubro 2006

Diante do mar


Diante do mar .


Eu nunca havia saido de Cambira. Nunca mesmo, parecia inacreditável mas eu nunca tinha viajado ou saído de perto da minha família, mais exatamente da minha mãe, a não ser para acompanhar minha vó materna aos passeios que na época eram muito chatos pra mim que não me interessava ainda pelos assuntos das reuniões de amigas da vó Maria. Mas, sempre comportada e disciplinada eu era a companhia ideal pra minha vó, que fazia questão de me pedir pra mãe, e ela sempre dava... Ela era tão brava... mas, não comigo, existia uma certa cumplicidade entre a gente e eu gostava .
Foi então que resolvemos, no final do ano de 1988, minha turma de magistério e eu fazermos uma viagem de despedida e encerramento do curso. Era de verdade nossos últimos dias de escola sempre a mesma turma desde o jardim de infância, e no interior é assim, crescemos juntos e fora alguns que mudaram de cidade , ou alguns novos alunos que entravam pra nossa escola, a grande maioria era de nós mesmos, os de sempre e nos conheciamos com a palma de nossas mãos.
Viajar me parecia assustador, pra praia então... Seria a primeira vez que eu veria o mar.
Não me preocupei muito com a organização das coisas por que sabia que meus pais não me deixariam de jeito nenhum sair da cidade com um grupo de meninas, quase crianças ainda pra passar uma semana em Ipanema, litoral do Paraná, contando com os cuidados de uma só professora ou talvez nenhuma se tudo desse certo. De fato quando pedi autorização em casa minha mãe nem me olhou, fez de conta que eu não estava ali. Numa segunda tentativa dois dias depois ela falou-me do que é ser uma moça direita e de família e que aquele pedido não fazia sentido que a resposta era, claro que não.
Confesso que fiquei arrasada mas não surpresa.
Eu já era moça , trabalhava, a tarde na escola , fazia magistério cedo e cursava Básico em comércio a noite , era responsável , justa , amiga, boa filha, boa conselheira, todas as amigas da minha mãe queriam que eu fosse filha delas... Tinha ótimas notas sem repetir de ano.
Mas... Eu não podia desobedecer e então estava dada minha sentença, e era não.
Pra minha sorte, eu era noiva na época com aliança e tudo, bolo festa de noivado , casa quase pronta pra casar, convites na gráfica, enfim eu era uma tradicional noiva do interior e me casaria no próximo fevereiro, com um vestido lindo, branco é claro, e com o noivo que seria" o filho ", o marido principe encantado, um casamento muito feliz sem dúvida alguma, não fosse a minha vontade de viajar pra praia... Pra minha sorte meu noivo intercedeu por mim e pediu pra o meu pai e mãe me deixarem viajar... e eu ...mal podia acreditar que lá estava , vendo meu primeiro pôr -de- sol diante do mar ... Aquele momento, o cheiro, o som , o vento, meus cabelos eram cumpridos e eu estava ali tão só quanto fui a vida inteira... Eu e o mar, ele me mostrando como era valente e fascinate e eu fascinada ,mal sabia como me tornaria valente depois daquele encontro com o mar.

Voltei pra casa uma semana depois com a aliança de noivado embrulhada num lenço, o mesmo que usei pra chorar quase a metade da viajem, é dificil tomar decisões, principalmente quando seu coração fala de coisas que vc ainda não tinha experimentado, é difícil decidir coisas tão importantes aos 17 anos. Mas quando chega a hora... foi como se o mar tivesse me limpado do medo do pecado, do medo ... do medo... do medo...
Sentei-me na varanda, ao lado do meu noivo... foi o maior nó que já senti em meu estômago, só não foi mais dificil porque minha alma estava repleta de amor e de vida e eu pela primeira vez tive coragem de dizer o que queria, como queria e finalmente como seria. Quando me levantei e pus a aliança na palma da mão dele ,eu vi, em seus olhos todo o entendimento que tem uma pessoa madura e que ama de verdade, ele não me pediu pra ficar ele me deu a liberdade de ser, de ir, ele só chorou ,porque homens de verdade choram, e essa foi uma das primeiras grandes lições que eu aprendi ao me lançar no mar sem volta ...

Pai italiano, só sabe o que é quem tem! Confesso que não me lembro de nenhuma palavra de incentivo nem de confiança...Meu irmão , meu amado irmão colocou nas minhas mãos um cartãozinho e falando baixinho recomendou-me cuidado e disse que estaria sempre preocupado comigo e que se algo desse errado era só ligar que ele imediatamente iria me ver.

O que importa e vale a pena lembrar é que quando cheguei em Curitiba ja era noite, dia 8 de janeiro de 1989, mais 16 dias e eu teria 18 anos! Isso me parecia muito bom.
Meu anjo da guarda me esperava, me acolheu , ajudou-me sem me perguntar absolutamente nada por vários dias, logo estava trabalhando em um laboratório e dividindo um apartamento pequeno, mas aconchegante com outro anjo, e de anjo em anjo em Julho do mesmo ano estava eu na Universidade Estadual de Ponta Grossa, vestibular, era só pra experimentar pra ver como era , não era pra passar, mas eu queria, eu podia, eu merecia,e lá estava eu preparando a mesma mochila com pouquíssimas roupas e chorando a despedida de pessoas que convivi tão pouco tempo que me ensinaram a viver na cidade grande ... em tão pouco tempo...
Talvez eu devesse ter feito Psicologia era meu sonho, ou talvez artes, ou até direito, o sonho do Zé Crotti era ter um dos filhos formado em direito, hoje entendo que ele queria mesmo que meu irmão mais velho fizesse direito, nós meninas, tinhamos só que casar e não fazer nehuma vergonha, já era suficiente...
Farmácia e Bioquímica, eu não sabia nada, tudo era novidade, tinha a sensação de que nunca tinha estudado na vida, sentia falta dos meus anjos, e talvez por isso fui morar em um pensionato sob as regras das esposas de Jesus, que furada!! seis meses de regras e sofrimento, a segurança compensava e eu aceitei ficar ate que minhas asas pudessem se abrir de novo, e me levar pra longe das irmãs.
Era muito cedo pra saber que era farmácia, pra saber o que amiga verdadeira, pra saber o que é perder com dor, pra saber o que ficar realmente só, pra saber procurar no peito a coragem , graças a Deus eu ainda tinha a lembrança daquela noite na frente do mar...
Saroj**

2 comentários:

Antônio Crotti disse...

Querida prima,
Acredite ou não, eu já sabia parte da história que você contou nesta postagem. Eu só não sabia como tudo havia acontecido, nem tampouco as razões que te levaram a conhecer o mar e a conhecer a liberdade.
Todas as vezes que te escrevo ou vejo sua foto no orkut eu sinto que estou diante de um anjo. Você é uma pessoa iluminada e, neste momento, estas pobres palavras são um instrumento ineficaz para expressar a minha admiração por você. Você é um exemplo de vida e de bondade. Conhecer você pessoalmente será um grande privilégio. E esse dia ainda vai chegar, se Deus quiser.
Posso sentir suas lágrimas nestas suas palavras. Estou certo que você as escreveu sob forte emoção, a mesma que senti ao lê-las. Bendito o dia em que cruzamos o caminho um do outro...
Um grande abraço e fique com Deus!
Miller

Ma Anand Saroj disse...

Obrigada Miller, isso é tudo...
Sinto-me feliz e com ânimo sempre que falamos( escrevemos) sinto-me aconchegada, e grata, imensamente grata e sempre, tds os momentos em que vc me vem a mente eu sou grata... Deus realmente é muito bom pra mim e sei que por isso fará com que nós nos conheçamos breve. Espero por isso com muita gratidão.Lembro-me tds os dias do nosso telefonema e de quanto sua voz me foi familiar e da tranquilidade que senti em saber que vc estava vivo...Imenso amor e respeito ,meu carinho , querido primo ... com muita saudade de outras tantas vidas com certeza!
Marcia